SITUAÇÃO DE RISCO
Andrey Gûaianã Zignnatto | Cláudio Souza | Fábio Leão | Leandro Tupan | Nathalie Böhm
Curadoria
Isabel Villalba
Período Expositivo: de 01/10 à 10/12/2021
Exposição online de projeto financiado pelo PROAC
Parafraseando o título de um antigo filme “O ano que vivemos em perigo”(1982, Peter Weir), 2020-2021 são anos que o mundo tal como conhecíamos virou um caos devido à pandemia da Covid-19 deixando seu rastro de morte, incerteza e medo. Neste tempo adverso que obriga muitas pessoas a fazerem uma pausa no cotidiano, pausa esta não desejada, mas imprescindível, oferece também a possibilidade de refletir sobre algumas outras situações de perigo e vulnerabilidades que enfermam o corpo de nossa sociedade que, na fugacidade do dia a dia, não enxergamos em toda sua crueza. O que vemos quando olhamos? A invasão de informação que a cada instante estamos expostos, consegue anestesiar, na maioria das vezes, a possibilidade de provocar qualquer ação transformadora em nós e necessária para o bem-estar básico das pessoas.
Os trabalhos dos artistas Andrey Gûaianã Zignnatto, Claudio Souza, Fabio Leão, Leandro Tupan e Nathalie Böhm transitam do individual ao social desvelando relações entre obscuridades e invisibilidades de nosso tempo, sem cair na desesperança. Muito pelo contrário, propõem que questionemos juntos sobre ser ciente do contexto sociopolítico em que vivemos, para não esquecermos, e com isso imaginar um mundo mais justo, mais solidário, mais empático. Tarefa complexa para o artista engajado com seu tempo e entorno.
Assim, Leandro Tupan, fotógrafo e restaurador, apresenta fotografias da serie “Somnium”, produzidas durante o isolamento na pandemia. Sua pesquisa está relacionada ao corpo, a esfera da intimidade, da sexualidade, do afeto; inquietando o espectador sobre o que evidência na imagem congelada: marcas na cama, o avesso de um velho porta retrato, evocando a presença de uma ausência. Comprometido com o trabalho coletivo, atuou na produção de estandartes no projeto Corpo Vivo Posithivo* que têm como objetivo chamar a atenção sobre o HIV, e às pessoas que convivem com a doença, ainda hoje estigmatizadas.
*Projeto criado junto com o Gustavo Falqueiro, educador, fotógrafo, pesquisador.
Nathalie Böhm, fotógrafa, trabalha com suportes digitais criando imagens em camadas sobrepostas, sutilmente estarrecedoras, sobre uma problemática que alcança as mulheres no mundo todo, uma epidemia, ou deveríamos dizer uma pandemia? A violência contra a mulher, especialmente a que acontece na intimidade do lar. Violência física e/ou psicológica que gradativamente destrói a autoestima e fere o corpo, chegando em muitos casos até o feminicidio.
Claudio Souza intervêm nas bandeiras da população LGBTQIA+, deixando à vista vazios que simbolizam a ausência daqueles que perderam suas vidas por aversão, ódio e medo irracional contra aqueles que manifestam orientação sexual ou identidade de género diferente dos padrões heteronormativos. Em outro trabalho, os desenhos de Nelson Mandela e Marielle Franco, importantes referências na luta contra o racismo e o preconceito, são realizados com lã preta fixada com resina transparente. Temas de grande relevância para o artista que não esconde sua preocupação e questiona para não esquecermos de obter respostas às perguntas que ecoam nos ouvidos de quem se proponha a escutar.
Andrey Gûaianã Zignnatto apresenta vídeos com alguns dos temas que fazem parte de sua pesquisa: crianças em territórios de guerra, e a dependência química pelas drogas trazendo à tona a reflexão sobre o relacionamento possível entre o ambiente urbano e o cidadão. Em “Todos nós”, o artista se desloca no espaço produzindo ações que involucram o corpo dos outros e ao seu próprio valendo-se da rua como um caderno aberto, pronto para ser redigido pelos seus habitantes, entretanto a ação é apagada pelo caminhão que varre a cidade. Na rua, não há espaço para todos nós?
Os trabalhos de Fábio Leão em vídeo e instalação respondem a uma investigação sobre as construções de moradores de rua que geralmente se alojam em barracas precárias muitas vezes improvisadas com materiais encontrados nos arredores. Leão nos atenta também aos desabamentos dos prédios da cidade. A fragilidade das construções provocou tragédias, morte e desamparo. Será que o lugar que deveria ser um abrigo e um lar nos demonstra a fragilidade no corpo social? Outras perguntas que surgem aqui são sobre o destino das pessoas que ficam desabrigadas. Para onde elas vão? São bem-vindas, ou invisibilizadas?
Voltando aos vídeos de Zignnatto, assistimos ao clássico jogo da amarelinha, executado por crianças de várias partes do mundo: fronteiras de Síria e Líbano, Venezuela e Brasil, Angola, Cuba e crianças em situação de vulnerabilidade na Cracolândia em São Paulo. As fronteiras se diluem no jogo da infância, assim como a arte abre possibilidades para soluções estéticas que possam dar conta das mazelas e alegrias da vida na sociedade.
É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo… “(FREIRE, 1992, apud CABRAL, 2015, s.p.).
A exposição Situação de Risco é a primeira exposição online do Ateliê Alê, realizada com recursos do PROAC (Programa de Ação Cultural de São Paulo). Apesar de ser um desafio para todos os envolvidos, é também um incentivo para que mais pessoas se aproximem dos temas sociais abordados nesta exposição. Mesmo que no ambiente virtual não exista o embate direto entre espectador e obras como em uma galeria, este novo tempo, delimitado pela pandemia exige uma adaptação para usufruir dos dispositivos tecnológicos existentes com o intuito de alcançar um público mais amplo interessado em arte.
Isabel Villalba
Curadora