Contingências da memória

Contingências da memória
outubro 22, 2019 zweiarts

Contingências da memória

Alexandra Ungern | Bina Monteiro | Cláudio Souza | Fernanda Izar | Mariana de Castilho | Rogério Pinto

Curadoria
Paulo Gallina

*Exposição do grupo de artistas do curso de acompanhamento de portfolio

A memória é o que dá corpo a história. Seja a grande narrativa dos povos humanos através do globo ou sejam as pequenas narrativas diárias criadas pela experiência de se viver, a história só ganha corpo e afasta-se de um estudo abstrato do comportamento humano quando povoada por rememorações daqueles que experimentaram os eventos. Afinal, memórias podem ser passadas de geração em geração, talvez a cada geração alterando detalhes imperceptíveis até que, ao cabo, reste apenas o mito sobre aquilo que aconteceu. O que seria um mito se não uma história que foi repetida até se transformar em uma ideia e um argumento?

É através da história que os povos forjaram suas identidades. Porque a definição do que é igual e do que é diferente é puramente narrativa, principalmente se estamos falando de dinâmicas sociais. Mais, é através de como cada história individual é contada que os sujeitos são concebidos. A exposição contingências da memória especula sobre como se formam e quais os limites das histórias e da memória. Onde para a narração e se inicia a ficção tenciona os limites do possível?

Os trabalhos de Fernanda Izar e Bina Monteiro operam o espaço. Enquanto Fernanda retira a figura humana e explora os [des]caminhos trilhados pelos sujeitos, Bina aniquila a paisagem destacando quem percorre o espaço em branco. Ao que parece, Fernanda explora a possibilidade onírica, aberta pelo suporte em pintura, de reunir espaços absolutamente diversos entre si, em oposição a conduta dura imposta, pelo metal , a Bina Monteiro. O trabalho de Mariana Castilho apoia-se na secular cultura de bordados nas casas brasileiras apropriando-se de bastidores para discutir a relação entre os indivíduos e o consumo nos dias que correm. Sobrepondo fotografias publicitárias dentro dessas pequenas áreas de atuação dos bastidores, Mariana parece meditar sobre como o consumo também pode definir uma subjetividade, limitando-a na qualidade de narrativas que se consegue produzir.

Distanciando-se de temas prementes no presente, Rogério Pinto, Alexandra Ungern e Cláudio Souza utilizam-se do processo de forja individual e social de um sujeito para construir um ideário junto à suas obras plásticas. Com seus varais, Alexandra reitera uma narrativa sensível construída por imagens. As paisagens, pouco habitadas, encadeiam-se em uma ampla história aqui e acolá pontuada por textos eleitos ou escritos pela artista. Cláudio Souza, por sua vez, apoia-se no retrato de potentes figuras políticas inquirindo o visitante sobre sua conduta e atuação social. Este não é um pedido de ajuda ou de engajamento, pelo contrário, Cláudio não parece interessado em cobranças ou respostas intrusivas. Seu trabalho é uma provocação ao que se espera e o que se encontra em um agente público, quase uma mediação entre os discursos que cada sujeito recebe e o que se pode fazer com estas palavras.

Por fim, os trabalhos de Rogério Pinto acentuam a absurda sensação de se estar respirando. Muito se pode escolher na vida, ao mesmo tempo ninguém têm exatamente o poder de escolher o que lhe acontece. A vida é uma experiência individual de encontrar-se com o mundo: povoado por pessoa, árvores, pedras e aquela caixa que você sempre bate o dedinho do pé quando passa descalço por perto. Assim são as pinturas de Rogério: reuniões mais ou menos arbitrárias entre indivíduos cristalizados em fotografias e a intensa frequência em que se vive a contemporaneidade.

As contingências da memória que dão nome a exposição tornam-se, na voz do coletivo de curador e artistas, os limites do contato entre as pessoas e o mundo. Tudo o que está contido e tudo o que pode ser contido [e compreendido] por seres humanos pertence ao grupo de acontecimentos que nos interessam: formas de se compreender o que acontece e ainda manter alguma sensação de sanidade em uma experiênciacapaz de se alterar entre um segundo e próximo. Ao cabo da visitação espera-se que o expectador perceba que as Contingências da memória são, em verdade, os indivíduos em suas certezas conquanto o lugar da arte, talvez, seja o de especular a dúvida.

Paulo Gallina