Qual é a matéria que significa?
Curadoria: Federico de la Fuente
Qual é a matéria que significa?
Abertura: 08/11/2025 | 16h às 20h
Período expositivo: 08/11/2025 a 06/12/2025
Terça a sábado | 14h às 18h
Artistas:
Ana Schmidt
Teresa Liberati
Rua Califórnia, 706 – Brooklin/SP
Entrada Gratuita

A exposição Qual é a matéria que significa?, com curadoria de Federico de la Fuente, reúne os trabalhos das artistas Ana Schmidt e Teresa Liberati.
Fruto de um longo processo de produção e colaboração, as artistas exibem instalações têxteis que geram experiências imersivas nas quais se convergem e se entrelaçam suas práticas individuais. Para complementar este diálogo, somam-se as vozes de Clarice Lispector e Alfonsina Storni através de poemas e outras fontes.
Estas quatro mulheres buscam se aproximar do inabordável a fim de questionar quais ferramentas temos para observar, relatar e habitar o mundo.
Você é nosso convidado para vivenciar este momento especial e mergulhar nas diversas dimensões que atravessam esta mostra.
Significar para sabotar a eficiência e a efetividade
A partir de experiências históricas como a arte conceitual, o minimalismo, a performance e outros tipos de produção durante a segunda metade do século XX, a desmaterialização pareceu se consolidar como uma das características dominantes da arte contemporânea. Essas explorações, ligadas à semiótica nos Estados Unidos e na Europa, coincidiram na América Latina com investigações semelhantes, embora orientadas para revisar a vida política e comunitária. O Grupo FRENTE, no Brasil, e o Itinerario del ’68, na Argentina, foram dois casos em que a reflexão especializada se cruzou com a urgência de repensar as formas de viver em sociedade.
A arte contemporânea, como modelo de produção e campo de conhecimento, já conta com mais de sete décadas. Nesse tempo, a ideia hegemônica sobre a materialidade — seu uso, sua função e sua afetação — mudou em múltiplas direções: da vontade de desarticular a matéria ao retorno à pintura; do empobrecimento do objeto em favor da relação, à construção de peças monumentais projetadas para o turismo global; do furor da digitalidade e da navegabilidade, à especulação mercantil aplicada a obras puramente virtuais.
Esses processos históricos convivem com artistas que sustentam a materialidade como resultado do trabalho, encontrando na produção de objetos, espaços — e até dinâmicas — um meio para a construção de sentido. Manipular materialmente pode ser um caminho para o aprendizado coletivo, através de exercícios de significação crítica.
Ter renunciado à centralidade da matéria, ter comprovado que arte e matéria podem se dissociar, tornou possível retomar a exploração material com outros fins.
Dicen que en los solares de mi gente, medido
estaba todo aquello que se debía hacer…
Dicen que silenciosas las mujeres han sido
de mi casa materna… Ah, bien pudiera ser…
A veces en mi madre apuntaron antojos
de liberarse, pero, se le subió a los ojos
una honda amargura, y en la sombra lloró.
— Alfonsina Storni
Esta exposição é o resultado de um processo de mais de oito meses de trabalho colaborativo entre as artistas argentinas Ana Schmidt e Teresa Liberati. Desde o início, junto com elas, construímos um horizonte de sentido a partir das linhas de trabalho de cada uma. Em comum, o têxtil apareceu como suporte, mas também como linguagem e discurso.
Os procedimentos e materiais utilizados abrem leituras sobre as preocupações de cada artista: a conservação ambiental, a memória, o habitável da natureza, o inabarcável dos afetos. Neste conjunto de instalações, a pergunta se desdobra através da técnica, das imagens e da tradição que a arte têxtil traz consigo.
As instalações de Teresa Liberati são construídas com elementos recuperados de sua própria casa — cortinas, roupas, toalhas de mesa. Essa materialidade entra em contato com textos e signos que se referem à constituição, individual e coletiva, do papel feminino em sua família. O espaço torna-se suporte de signos.
Objetos que originalmente vestiam a vida cotidiana e a convivência são agora reconstruídos pelos processos de memória de Liberati. Em diálogo com a arquitetura da Alê Espaço de Arte, voltam a vestir outra casa, com outra função e outra proposta de habitar.
A matéria aqui significa por seus usos anteriores: sobre o corpo, sobre os espaços que contiveram a história e a convivência das pessoas. Os mandatos, os acontecimentos e a memória que constroem. Quanto do que fomos sobrevive nos objetos que nos acompanharam? Quanto de nós continua e quanto se perde? Quanto inventamos em cada lembrança?
Ao atravessar o jardim interno da Alê Espaço de Arte, a relação entre o exterior e o interior se transforma. As pinturas botânicas de Ana Schmidt propõem estruturas suspensas que remetem à paisagem, mas que também constroem abrigos.
Uma série de volumes quase antropomórficos se impõe na sala e nos convida a percorrer traços, tons e impressões. Schmidt compõe essas grandes telas com materiais não tradicionais: galhos, folhas, pigmentos, infusões, entre outros. A forma de suspendê-las interrompe o trânsito na sala e nos chama a parar e contemplar.
Essas presenças evocam árvores, abrigos e montanhas. A paisagem entra na sala e adquire outras escalas. Exige-nos uma suspensão do tempo para descobrir matizes: vestígios dos elementos da própria paisagem. Incontível, o que chamamos de natureza é mediado pela cultura; sem caber na sala, converte-se em rastro e memória.
“Hoje acabei a tela de que te falei: linhas redondas que se interpenetram em traços finos e negros, e tu que tens o hábito de querer saber por quê — e por quê não me interessa, a causa é matéria do passado — perguntarás por que os traços negros e finos? Por causa do mesmo segredo que me faz escrever agora como se fosse a ti, escrevo redondo, enovelado e tépido, mas às vezes frígido como os instantes frescos, água do riacho que treme sempre por si mesma. O que pintei nessa tela é passível de ser fraseado em palavras? Tanto quanto possa ser implícita a palavra muda no som musical.”
— Clarice Lispector
Quem percorre esses espaços pode recomeçar. O que resulta das práticas de ambas as artistas se dispõe em um diálogo complementado pelas vozes de Alfonsina Storni e Clarice Lispector.
A pergunta sobre o papel significante da materialidade na arte não busca uma resposta definitiva. Encarnando um exercício e uma permanência. Longe da tradução — de sua tradição e traição implícita —, a significação marca os limites do contexto de produção de cada artista. Esse limite chega até onde compartilhamos o código com quem produz; passível de ser expandido, exige-nos conhecer mais para ampliar o tamanho do nosso mundo.
A arte contemporânea pode voltar a ser uma máquina de conhecimento. Pode recuperar sua função pública. O que nosso campo produz pode regressar à sua busca por ressignificar, reinventar e revisar possibilidades. Esse conhecimento executado pode, novamente, renunciar — como já o fez com a materialidade — à eficiência e à efetividade que hoje parecem inevitáveis.
Federico de la Puente
Curador
São Paulo, Outubro de 2025
Significar para sabotear la eficiencia y la efectividad [versão em espanhol]
A partir de experiencias históricas como el arte conceptual, el minimalismo, la performance y otros tipos de producción durante la segunda mitad del siglo XX, la desmaterialización pareció consolidarse como una de las características dominantes del arte contemporáneo.
Estas exploraciones, ligadas a la semiótica en Estados Unidos y Europa, coincidieron en América Latina con investigaciones semejantes, aunque orientadas a revisar la vida política y comunitaria. El Grupo FRENTE, en Brasil, y el Itinerario del ’68, en Argentina, fueron dos casos en que la reflexión especializada se cruzó con la urgencia de repensar las formas de vivir en sociedad.
El arte contemporáneo, como modelo de producción y campo de conocimiento, cuenta ya con más de siete décadas. En ese tiempo, la idea hegemónica sobre la materialidad —su uso, su función y su afectación— cambió en múltiples direcciones: de la voluntad de desarticular la materia a la vuelta a la pintura; del empobrecimiento del objeto en favor de la relación, a la construcción de piezas monumentales diseñadas para el turismo global; del furor de la digitalidad y la navegabilidad, a la especulación mercantil aplicada a obras puramente virtuales.
Estos procesos históricos conviven con artistas que sostienen la materialidad como resultado del trabajo, encontrando en la producción de objetos, espacios —e incluso dinámicas— un medio para la construcción de sentido. Manipular materialmente puede ser una vía para el aprendizaje colectivo, a través de ejercicios de significación crítica.
Haber renunciado a la centralidad de la materia, haber comprobado que arte y materia pueden escindirse, hizo posible retomar la exploración material con otros fines.
Dicen que en los solares de mi gente, medido
estaba todo aquello que se debía hacer…
Dicen que silenciosas las mujeres han sido
de mi casa materna… Ah, bien pudiera ser…
A veces en mi madre apuntaron antojos
de liberarse, pero, se le subió a los ojos
una honda amargura, y en la sombra lloró.
— Alfonsina Storni
Esta exhibición es el resultado de un proceso de más de ocho meses de trabajo colaborativo entre las artistas argentinas Ana Schmidt y Teresa Liberati. Desde el inicio, junto con ellas, construimos un horizonte de sentido a partir de las líneas de trabajo de cada una. En común, el textil apareció como soporte, pero también como lenguaje y discurso.
Los procedimientos y materiales utilizados abren lecturas sobre las preocupaciones de cada artista: la conservación ambiental, la memoria, lo habitable de la naturaleza, lo inabarcable de los afectos. En este conjunto de instalaciones, la pregunta se despliega a través de la técnica, las imágenes y la tradición que el arte textil trae consigo.
Las instalaciones de Teresa Liberati se construyen con elementos recuperados de su propia casa —cortinas, ropas, manteles—. Esta materialidad entra en contacto con textos y signos que refieren a la constitución, individual y colectiva, del rol femenino en su familia. El espacio se vuelve soporte de signos.
Objetos que originalmente vestían la vida cotidiana y la convivencia son ahora reconstruidos por los procesos de memoria de Liberati. En diálogo con la arquitectura de Alê Espaço de Arte, vuelven a vestir otra casa, con otra función y otra propuesta de habitar.
La materia aquí significa por sus usos anteriores: sobre el cuerpo, sobre los espacios que contuvieron la historia y la convivencia de las personas. Los mandatos, los acontecimientos y la memoria que construyen. ¿Cuánto de lo que fuimos pervive en los objetos que nos acompañaron? ¿Cuánto de nosotros continúa y cuánto se pierde? ¿Cuánto inventamos en cada memoria?
Al atravesar el jardín interno de Alê Espaço de Arte, la relación entre intemperie e interior se transforma. Las pinturas botánicas de Ana Schmidt proponen estructuras suspendidas que remiten al paisaje, pero que también construyen refugios.
Una serie de volúmenes casi antropomórficos se imponen en la sala y nos invitan a recorrer trazos, tonos e imprimaciones. Schmidt compone estas grandes telas con materiales no tradicionales: ramas, hojas, tintes, infusiones, entre otros. La manera de suspenderlas interrumpe el tránsito en la sala y nos llama a detenernos y contemplar.
Estas presencias evocan árboles, refugios y montañas. El paisaje entra en la sala y adquiere otras escalas. Nos exige una suspensión del tiempo para descubrir matices: huellas de los elementos del propio paisaje. Incontenible, lo que llamamos naturaleza es mediado por la cultura; sin caber en la sala, se convierte en rastro y memoria.
“Hoje acabei a tela de que te falei: linhas redondas que se interpenetram em traços finos e negros, e tu que tens o hábito de querer saber por que – e por que nao me interessa, a causa e matéria de passado- preguntarás por que os traços negros e finos? por causa do mesmo segredo que me faz escrever agora como se fosse a ti, escrevo redondo, enovelado e tépido, más às vezes frígido como os instantes frescos, água do riacho que treme sempre por si mesma. O que pintei nessa tela é passível de ser fraseado em palavras? Tanto quanto possa ser implícita a palavra muda no som musical.”
— Clarice Lispector
Quien transita estos espacios puede volver a comenzar. Lo que resulta de las prácticas de ambas artistas se dispone en un diálogo complementado por las voces de Alfonsina Storni y Clarice Lispector.
La pregunta por el rol significante de la materialidad en el arte no busca una respuesta definitiva. Encarna un ejercicio y una permanencia. Lejos de la traducción —de su tradición y su traición implícita—, la significación marca los límites del contexto de producción de cada artista. Ese límite llega hasta donde compartimos el código con quien produce; posible de ser expandido, nos exige conocer más para ampliar el tamaño de nuestro mundo.
El arte contemporáneo puede volver a ser una maquinaria de conocimiento. Puede recuperar su función pública. Lo que nuestro campo produce puede regresar a su búsqueda por resignificar, reinventar y revisar posibilidades. Ese conocimiento ejecutado puede, otra vez, renunciar —como ya lo hizo con la materialidad— a la eficiencia y la efectividad que hoy parecen inevitables.
Federico de la Puente
Curador
São Paulo,Octubre 2025